Preconceito no BDSM
- Mestre LenHard
- 3 de out. de 2024
- 8 min de leitura

Este vai ser um texto bastante complexo e extenso, porém extremamente necessário, portanto, vamos construir uma linha de raciocínio aqui. Não tenho o intuito de dizer como você deve levar sua vida kink, fetichista ou BDSM, mas vou levantar uma série de questionamentos e acontecimentos possíveis, e no final do texto você decide como deve lidar com essa questão, incrivelmente delicada.
Sendo bem claro e direto, nós vivemos no Brasil, um país com uma diversidade cultural tão grande quanto a ignorância da maioria da população e esta ignorância causa muito pré-conceito com praticamente tudo que foge ao “normal”. Para iniciar temos que deixar claro que o “normal” da sociedade Brasileira, depende de região e também de geração, então vamos excluir essa palavra e usar o “senso comum” como um conjunto de conhecimentos e crenças que são amplamente aceitos por uma sociedade ou comunidade, mas que não são necessariamente baseados em evidências científicas.
Por exemplo não é “comum” entrar como roupas de banho em um tribunal de justiça, existindo um conjunto de regras de vestimenta e comportamento para estar nesse tipo de local. Da mesma forma, nas ruas e até em clubes noturnos existem suas regras sociais. Tudo que foge à essas regras sociais pré-estabelecidas, pode chocar e ser alvo de pré-conceito vindo de outras pessoas.
O que é Preconceito?
Preconceito é uma atitude ou opinião formada sobre algo ou alguém antes de conhecê-lo, que pode ser manifestada de forma discriminatória. É uma atitude cultural que combina crenças, juízos de valor e predisposições emocionais.
O preconceito pode se manifestar em diversas situações, como: Preconceito racial, Preconceito de gênero, Preconceito linguístico, Preconceito religioso, Preconceito relacionado à nacionalidade.
O preconceito pode ser resultado de uma personalidade intolerante, que despreza qualquer ideia que não seja a sua. Atitudes preconceituosas podem se manifestar como raiva e hostilidade.
O preconceito e a discriminação podem trazer consequências negativas para quem é vítima, para quem presencia e para quem convive com essa realidade.
A palavra preconceito vem do latim e é composta pelo sufixo pra-, que significa "antes de", e conceptus, que significa "resumo".
Portanto é um resume pré concebido do seu julgamento prévio de uma atitude ou pessoa. Simples? Sim. Dá para não ser preconceituoso? Muito difícil, mas tem como.
Onde o BDSM entra nisso?
Todos nós que vivemos no Brasil, somos frutos do meio em que vivemos, portanto estamos dentro desse circulo vicioso de preconceito. Por mais que você diga: há, mas eu não sou preconceituoso com nada, posso te garantir que é uma hipocrisia da sua parte, como é da minha e de diversas outras pessoas. Caso contrário brigas e discussões agressivas, quanto à gênero, posições políticas, dinheiro, religião, time de futebol, etc., não existiriam no Brasil. Todos nós saberíamos desde o nascimento respeitar as diferenças alheias de forma amigável e não pré-conceber nenhuma informação sem antes saber do quadro geral. Praticamente uma Utopia.
A partir dessa linha de pensamento, nós somos os mesmos cidadãos que da vida Baunilha, em nossas vidas kinks, fetichistas e BDSMs. Trazemos todas as qualidades e todos nossos defeitos, incluindo os nossos preconceitos.
Há, mas não deveria existir Preconceito no BDSM, muitos dizem. Só que isso é um sonho, um devaneio de uma situação ideal, muito longe da realidade.
Com os conceitos e a visão da realidade bem claras podemos avançar em duas situações praticas que realmente afetam nossas vidas como kinksters: O preconceito kink fora do meio BDSM e o preconceito kink dentro do meio BDSM. E uso o meio BDSM, porque é o aglutinados dos kinks e fetiches no Brasil, mesmo você não jogando BDSM, é de “senso comum” que o BDSM abarca tudo isso.
Preconceito Fora do BDSM
Eis um assunto diverso e complicado, mas vamos tentar abordar o máximo possível.
Nem todos que são kinksters, fetichistas ou BDSMers podem se dar ao luxo de sair exibindo suas particularidades por aí. Isso é uma escolha de vida que por muitas vezes pode trazer sofrimentos, mazelas e te fechar em uma bolha ou estereótipo.
Pense assim, independente de nossos fetiches, somos filhos e filhas de alguém, trabalhamos em algum lugar, estudamos, vamos à algum local religioso e temos família, que muitas vezes nem fazem ideia de nossos segredos obscuros no BDSM.
Eu particularmente tenho minha vida BDSM aberta para a família, como já relatei no texto e vídeo sobre Doxing, mas foi uma escolha feita contra a minha vontade, eu e minha família sofremos anos, até que conseguimos passar por isso, porém com muito preconceito, muitas decepções e eu mesmo perdendo varias oportunidades de trabalho e relacionamentos.
Muitos praticantes não podem simplesmente sair anunciando para suas famílias que gostam de usar roupas de couro, usar coleiras ou chicotes e sodomizar as pessoas que gosta. Isso é chocante, e pode causar diversos problemas como separações, perda de guarda de filhos, demissões, etc.
Uma vez quando eu era adolescente e totalmente inconsequente e sem noção, levei em minha mala um flogger que eu orgulhosamente havia produzido (meu primeiro), para um local de trabalho. Eu não pensei, porque estava tão evolvido em um Frenesi BDSM e acabei sendo desligado do trabalho. Não foi alegado que era por causa do flogger e sim porque havia criado um desagrado com a equipe de trabalho.
O BDSM foi retirado da classificação de parafilia no Brasil com a publicação da Categorização Internacional de Doenças (CID-11) da Organização Mundial da Saúde (OMS), que entrou em vigor internacionalmente em janeiro de 2022. A CID-11 fez uma revisão significativa em relação a comportamentos sexuais, retirando práticas consensuais, como o BDSM, fetichismo e o crossdressing, da lista de distúrbios mentais ou transtornos sexuais, desde que essas práticas não causassem sofrimento ou prejuízos significativos ao indivíduo.
No Brasil, a adoção do CID-11 pela comunidade médica e de saúde também ocorreu a partir de 2022, alinhando o país às novas diretrizes da OMS, reconhecendo que as práticas de BDSM, quando consensuais e seguras, não são consideradas patologias ou distúrbios mentais. Dessa forma, o BDSM foi oficialmente despatologizado, sendo visto mais como uma expressão da diversidade sexual do que como uma parafilia.
Essa mudança foi um avanço importante na luta pela desestigmatização das práticas BDSM e no reconhecimento de que a sexualidade humana é plural e que comportamentos consensuais não devem ser vistos como doenças.
Hoje o BDSM foi removido desse documento quase por completo, mas o preconceito ainda existe.
E mesmo que seus colegas de trabalho ou familiares “aceitem” que você é BDSM, comentários indelicados, piadinhas e perguntas de terapia sexual serão frequentes, como se pelo fato de você fazer algo diferente do “comum”, você seria algum tipo de especialista em sexo e pudesse dar consultoria grátis.
Apesar de a moda usar diversos elementos fetichistas, a literatura e vídeos estarem recheados de referências, isso não exclui o preconceito da sociedade. Ainda se disser que é por falta de informação, mas hoje em dia todos tem um smartphone nas mãos a todo tempo, o que possibilitaria uma pesquisa séria em questão de minutos. No entanto, a imensidão de informações erradas, tendenciosos, em conjunto com a inércia de sair do preconceito, não ajudam a mudar essa visão.
Sair andando de coleira e guia no meio da rua para chocar a sociedade, não ajuda, só atrapalha. Você que faz isso, não está pensando na pseudo “comunidade” que tanto se fala, porque uma pessoa que não pode sair na rua com a coleira e a guia, se o fizer será violentada com certeza. O que ocorre? o preconceito que se gera ao "chocar a sociedade" acaba indiretamente afetando todo o BDSM, inclusive quem não vê necessidade de forçar a sociedade Baunilha a aceitar o BDSM.
E entenda, não estou dizendo para ficarmos fechados em nossas masmorras, escondidos e com vergonha de quem somos, mas sim temos que saber como apresentar nossa cultura BDSM de forma séria e adulta para diminuir preconceitos. Sair por aí achando que estamos na Alemanha ou no Japão onde a mentalidade das pessoas é diferente não ajuda.
Preconceito dentro do BDSM
Como se não bastasse o preconceito fora do meio BDSM, nós também enfrentamos o preconceito interno. Isso porque, como disse acima, os cidadãos que somos na sociedade Baunilha, somos os mesmos no meio BDSM. Portanto se temos preconceitos fora do BDSM, pode ter certeza que trazemos eles para o BDSM.
E para ser muito, mas muito sincero, o preconceito dentro do BDSM é infinitamente pior que o de fora do BDSM, pelo simples fato de que quem nutre esse preconceito está no mesmo barco que nós e não tem a desculpa da ignorância de acessar as informações.
Desde o lançamento do livro e filme “50 tons de cinza”, o preconceito quanto ao BDSM tem se intensificado, com muitas pessoas achando que todo dominador tem que ser lindo e rico (ou com problemas mentais e comportamentais), ou que todas as submissas devem reverter suas posições. Os exemplos são inúmeros e vem mesmo desde antes do livro.
Um preconceito muito comum de se ouvir é quando a pessoa não é um praticante de BDSM, e é relegado à posição de fetichista como se fosse algum tipo de cidadão de segunda classe. Me diz você querido leitor, isso não é horrível de se ler e de sentir?
Da mesma forma um outro exemplo de preconceito muito comum no meio BDSM, é ouvir de fetichistas, que quem pratica a Liturgia BDSM é chato ou errado. E pasme, a maioria dessas pessoas que falam isso dizem que são livres de preconceitos (cá entre nós, desde que não seja algo que vá contra o que elas acreditem), ou seja o puro suco da hipocrisia.
Você escuta de tudo no nosso meio BDSM, desde machismos absurdos como: “submissas não devem aprender as práticas, porque vão ficar de costas para apanhar”, até preconceitos como a frase: “Todos os homens nasceram para servir a uma dominadora”, isso só na questão entre Homens e Mulheres. Se formos contar frases do tipo: “no meio hetero...” ou “no meio gay...” pode preencher com o absurdo que você quiser. São todas frases e pensamentos preconceituosos.
Fulano é “redflag”, beltrano é abusador, fulana é manipuladora, tudo frase recheada de preconceito, e muitas vezes sem nenhuma base a não ser o seu próprio pré julgamento e o famoso OUVI DIZER.
Muito mais recentemente surgiu também os preconceitos por opiniões políticas, com ataques e cancelamentos porque uma visão diferente da sua significava que a pessoa era do “mal” e isso te daria o aval de extirpar esse mal do meio BDSM.
Preconceito de fato
E é claro que muitas pessoas vão dizer que o que acontece é que alguns falam mal dos outros pelas costas e isso gera os preconceitos. Bem vou ter que falar já que ninguém fala: TODO MUNDO FALA MAL DE TODO MUNDO NO MEIO BDSM.
E sejamos verdadeiros, falar das atitudes da pessoa não significa falar da pessoa. Se você recebe uma crítica das suas técnicas, suas falas ou atitudes, não quer dizer que você está sendo prejulgado. Trata-se de dicas para melhorar sua pratica, mas cabe a você aceitar ou ficar de mimimi.
Nessa você deve estar pensando, esse meio BDSM é super tóxico então. Sinto te dizer que você está certo.
Costumo dizer que praticar BDSM em sua intimidade é muito diferente de viver em uma sociedade ou pequena comunidade BDSM. Por isso muitas pessoas preferem não participar ativamente, para evitar esse tipo de situação inconveniente e com isso perder seu “tesão” de praticar o que te causa orgasmos. O que ninguém sabe que existe, ninguém estraga.
Conclusão
Sei que é um assunto “chato”, porém é extremamente necessário de se ter consciência da existência. Porém são textos como esse, que podem ajudar a mudar essa situação. Sou partidário de expor nossos demônios e enfrenta-los, para assim podermos nos curar. Muito melhor que varrer o problema para baixo do tapete e fingir que não existe preconceito no BDSM.
O que posso te dizer é que você não está sozinho(a) nessa batalha, estamos todos na mesma luta, portanto não desista, e se necessitar me procure que dentro do possível tentarei te ajudar, afinal de contas “comunidade” também é ajudar ao próximo.
Eu sei que tenho muito a melhorar, tento não ter preconceitos, mas não vou mentir, tenho alguns ainda. O que ajuda é a vontade de transforma-los em informação real e crível, mas isso leva tempo e boa vontade de todos os envolvidos. Não sou santo e nem pretendo ser, mas o objetivo do texto é falar sobre algo que acontece e conscientizar você, querido leitor.
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