Autismo no BDSM
- Mestre LenHard
- 20 de abr. de 2024
- 8 min de leitura

O abril azul foi estabelecido pela Organização das Nações Unidas, ONU, como uma forma de conscientizar as pessoas sobre o autismo, assim como dar visibilidade ao Transtorno do Espectro Autista (TEA). Segundo a Organização Mundial de Saúde – OMS, uma em cada 160 crianças no mundo tem TEA.
O autismo pode ser identificado ainda nos primeiros anos de vida, embora o diagnóstico de um profissional seja dado apenas entre os 4 e 5 anos de idade. Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, o TEA é um transtorno de desenvolvimento neurológico, caracterizado pela dificuldade de comunicação e/ou interação social.
Algumas características como: dificuldade de interação social, dificuldade em se comunicar, hipersensibilidade sensorial, desenvolvimento motor atrasado e comportamentos repetitivos ou metódicos podem identificar a presença do TEA.
O autismo funciona em níveis, ou seja, ele pode se manifestar de forma leve até uma forma mais severa. Esse diagnóstico detalhado será dado por um profissional da saúde.
Como parte do Abril Azul, a ToyMaker Couros traz informações úteis para praticantes de BDSM dentro e fora do espectro autista para aprendermos juntos mais sobre a neurodivergência em nossa comunidade. Este texto foi escrito com o auxilio de minha bottom Nell_SW (créditos de informações técnicas) e Sr. ToyMaker (na edição geral). Esperamos que gostem das informações aqui contidas, e quaisquer dúvidas ou reclamações, por favor entrem em contato que de pronto lhe atenderemos. Lembrando que caso discorde de algo aqui escrito é só vir conversar.
As fantasias são uma grande parte da perversão. Por mais que alguém diga que não tem expectativas de uma cena, ou de encontrar um determinado tipo de parceiro, todos nós temos. Não há nada de errado com isso – as expectativas nos ajudam de muitas maneiras. As expectativas ajudam-nos a alcançar objetivos, a determinar o próximo passo nos nossos planos, e muitas vezes brincamos com os outros que temos “expectativas muito altas” ou “expectativas muito baixas”.
Quando fantasiamos sobre quem é nosso parceiro ideal, podemos ver alguém alto, moreno e romântico. Alguém que se sentiu atraído pela perversão depois de ler a popular série Cinquenta Tons de Cinza pode procurar alguém como Christian Grey (por mais prejudicial que isso seja), o antagonista do filme Secretária, ou até reviver a jornada de na História de O.
Quando encontramos aquele parceiro “perfeito” seja em um evento, online, ou através de outro temos aquela química do “novo amor” e da fase de lua de mel. E se durante essa fase descobrirmos que nosso novo parceiro atende a todos os ideais, mas pode ter um desafio pessoal?
O que acontece quando ouvimos o termo autismo, ou Transtorno do Expectro Austista (TEA) – para onde vamos a partir daí? E se, antes mesmo de iniciarmos um relacionamento, percebermos que alguém que pode ser uma pessoa fantástica que luta contra esse desafio?
Além do estereótipo que está “ligado” à nossa comunidade BDSM, a nossa demografia é vasta e variada. Existem membros da nossa comunidade que possuem doutorado, graduação em direito, mestrado; há membros da nossa comunidade que mal conseguiram concluir o ensino médio, mas tiveram sucesso na vida adulta; há membros de nossa comunidade que são simplesmente idiotas e muitas vezes nos perguntamos como eles chegaram tão longe em suas vidas. Existem diferentes raças, diferentes sexualidades, gêneros e até mesmo uma diferença entre as pessoas que seguem o SSC quanto à sua visão sobre a ética do jogo e as pessoas que seguem o RACK.
Alguns podem estar familiarizados com o termo estigma. O termo estigma refere-se a uma marca de desgraça associada a uma circunstância, qualidade ou pessoa específica. Aqueles que são BDSM e Fetichistas podem estremecer com a ideia de se assumirem para a família; esses indivíduos podem vir de famílias muito religiosas/conservadoras, ter empregos de alto nível ou estar preocupados com a reação da família.
O termo estigma duplo, com o qual muitos podem não estar familiarizados, ocorre quando um indivíduo tem mais de uma parte da sua identidade que pode causar reações “indesejadas”. Autistas, muitas vezes tem um momento de “revelação” com seus parceiros, geralmente antes de uma primeira sessão de jogo, mas não no primeiro encontro, onde já deixam clara sua condição autista. Num local de trabalho existem leis que são criadas para proteger as pessoas com deficiência, mas fora dos locais de trabalho, autistas são deixados à própria sorte. Se tiverem sorte em suas vidas podem encontrar zonas de “segurança”. Um indivíduo pode ter um mentor próximo, um amigo, um parente ou um grupo de indivíduos que fornecem apoio e aceitação, mas uma vez que estão no mundo fazendo conexões, isso pode não existir.
Para os BDSMers e Kinksters, uma das discussões “favoritas de todos os tempos” é o DSM. Enquanto luta-se para não serem rotulados de “mentalmente incapazes” por causa das necessidades sexuais de açoitar e espancar as pessoas, há pelo menos duas gerações de adultos que provavelmente terão colegas autistas não diagnosticados, e mesmo agora ainda é uma nova fronteira para diagnosticar,o novo DSM 5.
Entre as décadas de 1950 e 1970, muitos indivíduos que foram diagnosticados com autismo muitas vezes acabaram em instituições. Somente em 1994 foi introduzido Aspergers, um diagnóstico de autismo de alto funcionamento que muitas vezes afeta o tato nas interações sociais, na comunicação e no processamento mais lento de pensamentos e sentimentos.
Atualmente, aos neurodivergentes, utiliza-se o termo Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a graduação dos níveis de suporte que estes indivíduos necessitam se dão pelas siglas n1, n2, n3 que evidenciam como “suporte” uma proposta gradativa para o aumento das intervenções que possibilitem vencer os desafios manifestos nas particularidades do espectro.
Um dado relevante é que a incidência do TEA é maior em indivíduos do sexo masculino, mas ambos os sexos enfrentam dificuldades diferentes nas suas interações e nenhum adulto autista é igual ao outro. É muito parecido com a ideia de que cada pessoa tem seus próprios desejos – mesmo que não nos sintamos atraídos por esses desejos, todos devem ser respeitados.
Vamos trabalhar juntos para sermos uma comunidade acolhedora…
Então, como podemos começar a entender? Como é que abrimos as nossas portas, os nossos corações, os nossos grupos, os nossos encontros (Munchs) para ajudar e apoiar as necessidades de um indivíduo autista que só quer ser aceito(a)?
Ofereça assistência:
Ao postar um evento online, indique que se alguém tiver alguma deficiência ou mesmo ansiedade social, poderá enviar um e-mail ao anfitrião com antecedência. Caso você tenha intimidade com a pessoa neurodivergente, pode oferecer a sua companhia e apoio para ir ao encontro(Munch), caso a pessoa se sinta confortável, também pode se encontrar com antecedência ou ajudar a garantir que a pessoa se sinta mais calma quando chegar ao local. Esta assistência pode ser um desafio para ambos, mas o esforço conjunto, pode resultar em mais conforto para a pessoa neurodivergente, pois diferente de um ambiente familiar como o local de trabalho, em um evento público, não existem garantias de que todas as pessoas serão sempre gentis, mesmo sendo alertadas.
Dê as boas vindas:
Quando uma pessoa autista chega à um encontro, o ideal é recepciona-lo à porta do evento e perguntar como ele(a) se sente mais confortável e o que deseja. Um local lotado, pode ser um grande desafio. Posteriormente, um momento de apresentação e um convite para se unir ao grupo. Sempre pergunte, é melhor do que pressupor algo já que o espectro autista apresenta uma amplitude de possibilidades, ou seja cada caso é um caso.
Ofereça um espaço tranquilo:
No dia a dia, é normal que cada um de nós passe por momentos de algum estresse. Porém, por conta de problemas com ansiedade e estímulos sensoriais, os autistas acabam vivendo níveis maiores de estresse. No caso de quem está no espectro do autismo, esses momentos hiper estressantes podem levá-los ao ponto da crise, ou seja, meltdown e shutdown.
Em resumo, o meltdown é quando a crise acontece para fora. Ou seja, é uma crise explosiva, facilmente reconhecível, com sinais claros de que o autista está incomodado. Meltdown é um colapso. No entanto, a crise também pode acontecer para dentro, silenciosa: o shutdown. Nesses casos, há um “desligamento” temporário.
Durante as crises, mantenha a calma e não faça perguntas demais. Também não deve adiantar muito dizer para a pessoa ficar calma. Em vez disso, dê orientações claras do que ele precisa fazer. Vá guiando o indivíduo com firmeza para um relaxamento.
Algo que também pode funcionar, dependendo de cada pessoa, é perguntar a ela (em momentos de normalidade) se existe algo que ela gostaria que fosse feito em momentos assim. Alguns autistas podem, então, gostar do efeito de uma palavra baixa, de uma música específica ou de uma mão no ombro. Ou seja, para cada pessoa há uma solução diferente. É preciso dialogar sobre isso.
Stimming
O Stimming é um movimento repetitivo motor que regula o sistema nervoso central. Quando o neurodivergente (isso pode acontecer com autistas ou com TDH) apresenta uma desregulação, isso cria uma bagunça no sistema nervoso central. Isso rebaixa momentaneamente a cognição, assim como ocorre em uma crise de pânico, e desenvolvem varias descompensações no sistema nervoso central. Estes movimentos repetitivos motores ajudam a compensar essa situação. No entanto existem pessoas autistas e grupos que não gostam desta terminologia do stimming, porque acabam trabalhando com a vertente da camuflagem social, e os stimmings deixam visíveis na maioria das vezes que os autistas estão em um processo de auto regulação, embora existam pessoas que façam stimmings, muito discretos e sutis, como apertar as pontas dos dedos indicador e polegar repetidamente.
Crises
Crises são momentos em que um indivíduo não consegue lidar com o excesso de estímulos. Barulhos altos, odores fortes, toques e vários outros estímulos externos podem desencadear crises em pessoas autistas, por isso é sempre bom perguntar e saber como proceder. Como cada caso é um caso, cada indivíduo pode apresentar um estado de stress diferente como: ficar mudo, não conseguir se comunicar ou ser ríspido inesperadamente. Isso não é uma atitude infantil e nem uma atitude de falta de educação, trata-se de uma forma de auto-preservação e o autista não tem controle sobre isso.
Se houver uma área do local vazia, ou uma área arejada para respirar um pouco de ar puro, certifique-se de que a pessoa neurodivergente seja informada disso, caso precise de algum tempo de silêncio. Quando ele voltar ao grupo social, certifique-se de que o grupo não o bombardeie com perguntas. Eles saíram para um momento de silêncio por um motivo. Respeite isso como um grupo.
Não toque sem perguntar:
Sejamos realistas, como comunidade, muitas vezes somos pessoas sensíveis. Nós amamos abraçar. Adoramos tocar. Amamos nos aconchegar. Depois de uma refeição, uma nova pessoa pode se sentir renovada e cheia de confiança, e adoraria abraçar cada pessoa na sala como agradecimento por ser amigável com ela.
Pergunte antes de tentar abraçar, ou pergunte antes de tocarem no braço. Evite tocar a pessoa por trás sem que ela possa vê-lo. Esta regra é algo que aprendemos no jardim de infância, mas muitas vezes é esquecida trinta anos depois. Quando as pessoas vêm para um abraço, quando outras pessoas não querem dar um abraço, pode ser difícil evitar. Nunca force uma pessoa a ser tocada, ela pode ter autismo e não ter te falado e isso será um grande desafio e um sofrimento para ela.
Consensualidade é fundamental e a antecipação do toque, após permitido, é uma estratégia que pode, delicadamente, reduzir o estresse até que se torne uma interação natural por meio da intimidade construída.
Não acredite nos estereótipos:
Inúmeras vezes, como comunidade, reviramos os olhos diante da deturpação da perversão na mídia ou lutamos contra um estereótipo sobre fetiches e BDSM. As pessoas podem falsamente interpretar que um autista em um “mini crise nervosa”, possa ser uma pessoa violenta com os outros. É importante compreender que um adulto neurodivergente não é uma criança em situação de birra. Os desafios para a inserção do indivíduo autista na comunidade precisa fluir longe da polarizações da exclusão e do capacitismo. Torna-se imprescindível que estejamos abertos a discutir a abertura, a acolhida dos neurodivergentes no meio BDSM, bem como faz-se indispensável que, durante a negociação com indivíduos autistas, sejam levantados diversos pontos de atenção diferentes e que somam ao habitual.
Ser uma comunidade aberta e afirmativa para pessoas com autismo pode ser um desafio. Muitas vezes esperamos que todos sejam perfeitos em suas interações; ficamos frustrados quando não o são e às vezes sentimos necessidade de comentar isso para mostrar que somos diferentes e melhores do que aqueles que lutam. É um desafio aceitar alguém diferente – não esqueçamos quantas vezes lutamos como uma comunidade BDSM e Fetichista para sermos ouvidos em eventos ou entre outras comunidades sociais nas quais desejamos ser aceitos. Não menos – isto não é diferente – esta é a capacidade de existência da interação humana e do amor.
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