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A Prática BDSM e a Legislação Brasileira



Já ha algum tempo, a prática BDSM (sadomasoquista) tem se popularizado e estado cada vez mais no imaginário popular (Vide livros como 50 Tons de Cinza), moda, aplicativos de namoro, sites, festas, bares temáticos e diversas outras mídias.


Logo de cara posso afirmar que não sou profissional da área jurídica, e estou como praticante de BDSM interessado em estudar a relação das leis Brasileiras com a pratica BDSM. Caso venha a cometer erros neste artigo, peço desculpas de antemão e auxilio de colegas praticantes para rever se necessário, as informações aqui contidas.


Me ocorreu de realizar uma pesquisa sobre a prática do BDSM em relação à Legislação Brasileira específica. Porque específicamente as leis Brasileiras? Primeiro porque sou Cidadão Brasileiro e resido neste país, logo sujeito às leias impostas pela Constituição Federal Brasileira.


Sadomasoquismo segundo a Língua Portuguesa


O minidicionário Silveira Bueno, da Língua Portuguesa, conceitua sadismo como “perversão dos que, para atingirem o prazer sexual, praticam atos de crueldade; prazer com o sofrimento alheio”, enquanto o verbete masoquismo é definido em sendo “desvio mental que consiste em sentir prazer com a dor”.


Assim, em breves palavras, a expressão sadomasoquismo, junção dos verbetes supra conceituados, consiste numa atividade, geralmente sendo constituída por atos sexuais, em que os praticantes buscam a obtenção de prazer mediante o emprego de agressões, sufocamentos, entre outras formas de infligir dor no parceiro ou permitindo que o faça em si próprio. A fusão dos termos sadismo e masoquismo se dá, porque geralmente ocorre a necessidade de coexistência de ambos, ou seja, a inflição e o consequente consentimento a respeito da dor em um mesmo ato.


Assim, em breves palavras, a expressão sadomasoquismo, junção dos verbetes supra conceituados, consiste numa atividade, geralmente sendo constituída por atos sexuais, em que os praticantes buscam a obtenção de prazer mediante o emprego de agressões, sufocamentos, entre outras formas de infligir dor no parceiro ou permitindo que o faça em si próprio. A fusão dos termos sadismo e masoquismo se dá, porque geralmente ocorre a necessidade de coexistência de ambos, ou seja, a inflição e o consequente consentimento a respeito da dor em um mesmo ato.


CONTRATO DE PRESTAÇÃO SEXUAL: PROSTITUIÇÃO E DIREITO


Para iniciar essa análise temos que entrar no contexto de Contrato de Prestação Sexual, ou seja a Prostituição, já que mesmo uma relação BDSM não ter a obrigatoriedade do ato sexual e nem o pagamento por certas ações, acaba sendo incluído na legislação de Prostituição, por não existir uma lei específica que abranja a prática Sadomasoquista, portanto temos que observar diversas legislações interligadas para entender de fato.


Discute-se no Brasil e em vários países, se há ou não legitimidade no contrato de prestação sexual. Assim, diversas são as reflexões ao abordarmos o presente tópico. É lícito o contrato efetuado entre cliente e prestadora do serviço sexual? Tratase de uma obrigação de meio ou de resultado? Ser escravo sexual é perder a dignidade humana? Atores de cinema pornô fazem sexo e não sofrem punição? A pessoa submissa poderia receber o status de atriz neste tipo de contrato? Qual a diferença entre uma atriz pornô e uma prostituta? Pode-se abrir mão do nosso corpo deixando que nele provoquem dores e açoites?


Ao se discutir o contrato de prestação sexual, mister se faz aludir à atitude diante da prostituição. Guimarães (2014), ao analisar o fenômeno da prostituição no Direito Comparado, menciona a existência de três sistemas voltados a disciplinar o assunto: Proibicionista, Abolucionista e Regulamentarista.


Não adianta trazer neste artigo legislações de países onde a atividade é proibida de maneira absoluta, como fazem os Estados Unidos, a Lituânia, Romênia e Servia. Neste sistema, segunda a autora: “tanto a prostituta quanto o dono de casa de prostituição e até o cliente são puníveis pela lei.... Ou seja, o Estado decide o que a pessoa pode ou não fazer com seu corpo” (GUIMARÃES, 2014, p.27)


No sistema Abolicionista (que inclui Brasil), que é adotado pela legislação pátria e pela maioria dos países, entende-se que:

A prostituta é uma vítima e só exerce a atividade por coação de um terceiro, um “agenciador”, que fica com parte dos lucros obtidos pelo profissional do sexo. Por essa razão, a legislação abolicionista pune o dono ou o gerente da casa de prostituição, e não a prostituta. Neste sistema, quem está na ilegalidade é o agenciador, o empresário (GUIMARÃES, 2014, p. 27).

ou países com legislação Regulamentarista, onde pretende-se a legalização do comércio sexual, como já fizeram a Alemanha, Holanda, Turquia, Hungria e o país vizinho Uruguai. Para tanto, invoca-se o fim da exploração das prostitutas por terceiros e o controle das doenças sexualmente transmissíveis, como bem elucida Guimarães (2014) nos seguintes termos:

Em um primeiro nicho estão, por exemplo, Alemanha e Holanda, que partem do princípio de que a autodeterminação das pessoas que se ocupam com a prestação de serviços sexuais deve ser respeitada e a eles garantido o direito de negociar o próprio corpo da forma como bem entenderem. Esses profissionais fazem parte de um mercado econômico formal e o objetivo é a proteção contra violência, abusos e exploração. Em um segundo nicho, a exemplo da Hungria e da Turquia, países que legalizaram a prostituição com fulcro não no direito de autodeterminação dos trabalhadores do sexo, mas, sim, na noção de que a prostituição, não obstante configurar uma atividade imoral e indesejável, é um fenômeno social inevitável. Nestes países, a prioridade é a saúde pública e, diante da inevitabilidade do comércio do corpo, a preferência é pela regulamentação da atividade de forma extremamente severa, que, a par de legalizá-la, acaba por repercutir de forma intensa e negativa nos direitos dos profissionais do sexo (GUIMARÃES, 2014, p. 28).

A título de ilustração, na Holanda, onde a prostituição é regulamentada e os profissionais do sexo são autônomos e pagam impostos, Ministros e parlamentares decidiram que “a prática é legal desde que as partes envolvidas sejam maiores de idade e estejam de acordo quanto à forma de pagamento”. (FAVORES, 2016, p. 1) Entenderam que se trata de uma espécie de “troca de serviços”, portanto, praticar sexo com alguém em troca de algo não se trata de um favor sexual ou uma forma de abuso. O pagamento, portanto, não precisa ser em dinheiro vivo.


Ao idear a elaboração de um eventual contrato de prestação sexual, deve-se, a princípio, a exemplo de qualquer outro pacto, observar o artigo 104 do Código Civil: “A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei”; bem como ainda atentar-se para o artigo 166, II, 1ª parte do mesmo código: “É nulo o negócio jurídico quando: II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto”.


Deve-se também, segundo Gomes (2009), verificar a forma e o objeto do contrato, elementos considerados essenciais, podendo a forma ser escrita, oral, tácita ou mímica e o objeto, no caso, a prestação de serviço sexual, que deverá ser desenvolvida de várias maneiras, limitada apenas a não constranger a integridade física dos contraentes. Na hipótese de se reconhecer a ilicitude contratual por contrariedade à lei ou aos bons costumes, como equivocadamente entendem alguns, num entendimento subjetivo e negativamente discriminatório, deve-se aplicar ao caso concreto o princípio basilar do direito Nemo auditur propriam turpitudinem allegans, que proibirá que o cliente beneficie-se utilizando da própria torpeza, vez que agirá na certeza de que poderá fazer uso da prestação sexual sem ser obrigado a honrar com o pagamento anteriormente acordado.


Sobre bons costumes, Guimarães (2014) discorre sobre a mutabilidade do termo, e como exemplo menciona que na década de 1960 era contrário aos bons costumes favorecer em testamento o filho nascido fora casamento, havendo mulher e filhos legítimos prejudicados; que em 1975, na Alemanha, era contrário aos bons costumes alugar quarto a noivos; e que também já foi considerado contrário aos bons costumes a venda de um escritório de advocacia e o pagamento aos jogadores de futebol.


Nesse mesmo sentido, e tratando do conceito de moral, Vásquez aduz: “Não é estática. É um fato histórico mutável e dinâmico que acompanha as mudanças políticas, econômicas e sociais e onde a existência de princípios absolutos se torna impossível” (1984, p.12).


Reforçando o entendimento, vem a lição de Albuquerque sobre prostituição, moral e lei da seguinte forma:


Tanto a moral quanto as leis expressam determinadas formas de ser social que nunca podem ser mais que a própria sociedade. É por isso que mesmo a moral mais contrária à prostituição, assim como a lei mais severa que proíba a atividade, se mostram incapazes diante do processo real, pois é nele que se encontram a vitalidade da prostituição (ALBUQUERQUE, 2008 s/p).

Assim, em virtude da legislação nacional, lamentavelmente, ainda não amparar a atividade sexual realizada mediante pagamento, não obstante o fato de não a considerar uma prática ilegal, o corolário que resta aos profissionais do sexo é único: o de poder contribuir com o INSS, ganhando o direito de obter aposentadoria e pensão, declarando-se profissional autônomo.


Nesse diapasão, e numa comparação entre direito e moral, e a interferência do Estado no campo privado, e na autodeterminação, imprescindível é a lição de Gomes, como se observa nas linhas abaixo:


O risco de se fazer confusão entre o Direito e a Moral é muito grande (sobretudo na esfera dos crimes sexuais). Cada um tem uma visão de mundo. Cada um vê o sexo de uma maneira. Mas a moral de cada um não pode preponderar sobre o bom senso, sobre a razoabilidade. O processo de secularização do Direito penal começou, de forma clara, no século XVIII: Direito e Moral foram separados, delito e pecado foram delimitados. Enquanto de adulto se trate, cada um dá à sua vida sexual o rumo que bem entender. O plano moral não pode ser confundido com o plano jurídico. O Estado não tem o direito de instrumentalizar as pessoas (como dizia Kant) para impor uma determinada orientação moral ou sexual (GOMES, 2009 s/p).

Algo que temos que ter em mente é que a Justiça Brasileira é Interpretativa, ou seja a depender a visão interpretada por Delegados, Advogados e Juízes, uma ação ou contrato pode ser visto como algo criminoso ou não. E vamos lembrar que contratos BDSM não tem valor legal, não podem ser registrados em cartório e muitas vezes nem usados como objeto de defesa em algum caso jurídico, podendo no entanto ser até mesmo usado como prova de crime premeditado.


É sempre válido ressaltar que além de não ser considerada uma prática criminosa, a prostituição, por meio da Portaria 397 de 09 de outubro de 2002, foi considerada profissão pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e inserida na Classificação Brasileira de Ocupações sob o código 5198-05, devendo, portanto, os efeitos da nulidade de um eventual contrato de prestação sexual serem “ex nunc”, o que garantirá ao trabalhador do sexo o recebimento dos valores decorrentes da prestação do serviço de natureza sexual.


Tratando-se da aludida e suposta imoralidade que envolve a prostituição, o que a bem da verdade se extrai, é não possuir origem no contrato de prestação sexual, e sim na conjuntura em torno dele, algumas consideradas criminosas.


No filme Cinquenta Tons de Cinza, Ana sente seu corpo agredido e devassado. Frise-se aqui que, ninguém pode abrir mão de sua integridade física, exceto em prol de um bem maior. Não nos parece o caso. Como no filme, este tipo de sentimento é muito comum em relações BDSM reais.


Com relação ao tipo de obrigação avençada no contrato, de resultado não é relevante, haja vista que ao profissional do sexo cumpre apenas o uso de meios aceitáveis na concretização do que fora combinado, será uma obrigação de meio, que no conceito de Farias (2007, p.2014):


Incide obrigação de meio quando o próprio conteúdo da prestação nada mais exige do devedor do que o emprego dos meios adequados, sem que se indague sobre o seu resultado. É o exemplo comum do médico, que se obriga a envidar todos os esforços no sentido de aplicar os meios indispensáveis à cura ou sobrevida do paciente, sem que isto implique a obrigação de assegurar a própria cura ou resultado benéfico

Menores de Idade no BDSM


É de comum acordo entra a maioria dos praticantes de BDSM sérios que se trata de um tipo de relacionamento adulto, onde no Brasil a maioridade legal se dá aos 18 anos, portanto idades inferiores não devem em hipótese alguma ter contato com a pratica Sadomasoquista, configurando crime pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, mesmo que esse menor de idade seja emancipado.


Nesta fase, a pessoa ainda não atingiu o mesmo grau de maturidade biopsicossocial verificada em um adulto, pois se encontra em fase de amadurecimento de sua personalidade. O art. 227 da CF adotou um princípio, qual seja, o princípio da proteção integral à pessoa em formação; portanto, em nosso sentir, ainda que seja emancipada a pessoa com mais de dezesseis e menos de dezoito anos completos não poderá tornar-se trabalhadora do sexo (MUÇOUÇAH, 2013, p. 209)


Desse modo, no caso da prostituição exercida por crianças ou adolescentes menores de 18 anos, a conduta de quem dela se beneficia será apurada na esfera criminal e, obviamente, devido à incapacidade de uma das partes, o contrato será nulo. Contudo, o menor poderá ser amparado socorrendo-se da teoria das nulidades trabalhistas, que lhe garantirá o recebimento da quantia combinada, e por conseguinte, ainda impedirá o enriquecimento ilícito de quem usufruiu de seus serviços e recusou-se a pagar.


Em outras palavras. se você é uma figura dominante e abriga, mentora ou pratica bdsm com um menor de idade legal no Brasil, está incorrendo em crime e pode ser processado por isso, mesmo que o menor de idade tenha assinado um contrato de consensualidade, vide que mesmo emancipado, perante à lei, ele(a) ainda é incapaz de fazer tal ação.


SEXUALIDADE E SADOMASOQUISMO


O prazer sexual durante séculos foi motivo de controle, impondo-se sanções sociais aos praticantes e sanções jurídicas aos criminosos.


Segundo Brito (2012, p. 17):


A personalidade é um conjunto de atributos da pessoa humana (vida, integridade física, liberdade, identidade sexual etc.) sem os quais o indivíduo perde sua condição de integrante da humanidade. A sexualidade, por sua vez, é uma condição complexa, relacionada com a atividade e a diversidade sexual na espécie e que é componente da personalidade, tendo todos os indivíduos o direito de manifestá-la, em sua integralidade, sob pena de redução da personalidade e, consequentemente, da sua própria humanidade.

Segundo a CID-11 considera o sadomasoquismo como uma variante de excitação sexual e comportamento privado, sem um impacto considerável na saúde pública. De acordo com a

CID-11, o diagnóstico psiquiátrico não pode mais ser usado para discriminar fetichistas e praticantes do BDSM.


Preferência por uma atividade sexual que implica dor, humilhação ou subserviência. Se o sujeito prefere ser o objeto de um tal estímulo fala-se de masoquismo; se prefere ser o executante, trata-se de sadismo. Comumente o indivíduo obtém a excitação sexual por comportamento tanto sádicos quanto masoquistas (2008).

Mas, por outro lado, se o parceiro não aceitar ou for forçado, continua sendo desvio. Ou seja, a pedofilia é um deles, porque se entende que a criança, mesmo consentindo, não tem capacidade para tomar a decisão” (2014). Assim, declara, que cabe ao especialista fazer a avaliação, pois o DSM (Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais) não vai além de classificar.


Os transtornos parafílicos (DSM V) são aqueles:


caracterizados por comportamentos, fantasias e/ou pensamentos sexuais recorrentes, intensos e sexualmente excitantes, por um período igual ou superior a seis meses e que envolvam: objetos; pessoa viva, não adulta; pessoa que não tenha consentido participar do ato sexual; sofrimento ou humilhação a si e/ou ao outro. São condições crônicas que podem ocasionar limitações e angústia em outras áreas da vida como o relacionamento conjugal, familiar e social. Geralmente se iniciam na adolescência e persistem ao longo da vida. São mais prevalentes em homens que em mulheres e entre os mais jovens (SPIZZIRRI, 2016, p.1)

O psiquiatra Spizzirri, indica que as causas que levam à parafilia são desconhecidas, porém estudos sugerem a presença de anormalidades neurobiofisiológicas associadas ao comportamento parafílico. Ademais:


vivências emocionais durante o processo de maturação psicossexual, como sentimentos de repressão sexual adquiridos no desenvolvimento pessoal, superproteção ou desorganização familiar e história de abuso sexual e/ou emocional na infância são elementos recorrentes e que contribuem para a compreensão dessa condição. Assim sendo, as primeiras experiências ou fantasias sexuais, sejam elas gratificantes ou não, podem influenciar comportamentos futuros. (2016, p.1)

Nesse contexto, o sofrimento da Submissa é sexualmente excitante para o Dominador. Sob essa ótica, o casal se complementa diante da escravidão voluntária, humilhação consentida. A extração intensa do prazer do Dominador depende da submissao daquela que se vê reduzida ao seu extremo. Quanto maior o sofrimento da Submissa, maior o prazer do Dominador.


Há indagações que levam à reflexão, mas não a uma resposta perene ou imutável. Pode-se/Deve-se limitar o prazer? O pudor sexual é uma virtude?


Sadomasoquismo e a Lei Maria da Penha


Em se tratando de sadomasoquismo, não há que se falar na aplicação da Lei Maria da Penha para essas pessoas que praticam relações sexuais com consentimento consciente. Ademais, não pode o Estado interferir nas questões íntimas e essencialmente autônomas, desde que não ofendem a dignidade humana.


Lacan citado por Rangel (2010, p.2) proclama:


O ápice do prazer masoquista não é tanto o fato de que se oferece para fornecer ou não, esta ou aquela dor física , mas no final singular [.. . ] é a anulação do sujeito [...] que é puro objeto. (...) " Se forja ele mesmo, o sujeito masoquista como sendo objeto de negociação ou, mais precisamente , uma venda entre os outros dois que o passam como um bem.

No caso a que se refere o filme, o sexo trivial não satisfaz e nem desafia o Dominador Grey. A imaginação é quem alimenta o erotismo e a sexualidade.


Sadomasoquismo e Lesão Corporal


Em que pese exista a discussão a respeito da excludente supralegal ‘consentimento do ofendido’ incidir de forma a tornar o fato atípico (excludente de tipicidade) ou antijurídico (excludente de ilicitude/antijuridicidade), filiamo-nos, pelo menos em casos de lesões corporais, à segunda corrente.


Isso porque a antijuridicidade diz respeito a uma atitude do agente contrária ao ordenamento jurídico. Contudo, o legislador apresenta situações que acobertam o agente quanto à ilicitude da conduta, anotando Dorigon (2017, p. 127) que :


“[...] se estiverem presentes tais causas no fato que causou a lesão a bem jurídico da vítima, o autor de tal fato não deverá ser punido por faltar um dos elementos constitutivos do crime [...]” tal como ocorre, por exemplo, em artes marciais, em que o fato deixa de ser ilícito pelo consentimento dos envolvidos, sendo punível, evidentemente, o cometimento de algum excesso.

A respeito do consentimento do ofendido, convencionou-se alguns critérios para o válido reconhecimento, entre eles a capacidade do ofendido, a anterioridade do consentimento com relação à conduta e a disponibilidade do bem ofendido.


Por essas razões, nos parece mais razoável colocar o consentimento do ofendido como causa de exclusão da antijuridicidade, mesmo que de forma supralegal, pois a mesma retira o caráter ilícito da conduta, assim como as excludentes legais de legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever lega e exercício regular do direito.


Definidos tais aspectos que considerávamos forçosos, passemos a analisar se os atos sadomasoquistas de adequam ao tipo incriminador presente no artigo 129 do Código Penal (lesões corporais) ou se o seu consentimento é válido para excluir tal crime frente a antijuridicidade do consentimento do ofendido.


Lei de Torturas


Afastamos, de plano, a incidência da Lei 9.455/97 (Lei de torturas), tendo em vista que, conforme expõe o artigo 1° da referida legislação, para constituir crime de tortura a ação deve ter por finalidade “obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; provocar ação ou omissão de natureza criminosa ou em razão de discriminação racial ou religiosa.”

O mesmo ocorre com os tipos dos artigos 213 (estupro) e 215 (violação sexual mediante fraude), ambos do Código Penal, pois o que consideramos aqui é o livre consentimento, manifestação de vontade e interesse de ambos os participantes, situação que claramente não se adequam aos referidos tipos penais.


O artigo 129 do Código Penal brasileiro, sob a rubrica ‘lesões corporais’, tipifica como crime: “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano”. Isso na forma simples, podendo a pena máxima, em caso de lesões corporais gravíssimas ou com resultado morte, chegar a 8 e 12 anos respectivamente.


Conforme traz a boa Doutrina, e recebendo acolhimento jurisprudencial, o que se protege com esse tipo não é só a integridade física no que diz respeito à incolumidade corporal, mas também a saúde mental e fisiológica do indivíduo.


O cerne da questão consiste em saber se, para o Direito Penal, a incolumidade do indivíduo é um bem disponível ou não. O diploma penalista brasileiro parece, entretanto, ter feito sua escolha. Senão vejamos.


Em se tratando de lesões corporais de natureza leve e culposa (artigo 129, caput e § 6°), é definido que a ação penal será pública condicionada à representação, conforme anota o artigo 88 da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais). Assim, o legislador optou por deixar disponível ao lesado escolher se representa ou não em desfavor do agressor nos casos em que as lesões sofridas forem leves ou tiverem se dado por ato culposo do agente, sendo deveras lúcida a conclusão de que o indivíduo pode dispor de sua integridade e incolumidade física apenas nas aludidas hipóteses.


Explicando essa parte de lesão corporal leve e culposa (quando se fala culposa é quando existem uma intenção prévia de executar a ação), o juiz irá interpretar se a lesão causada é punível ou não ao agressor (leia-se a parte dominante) de acordo com o relato pelo lesado (leia-se a parte submissa), se esta irá ou não acusar a parte dominante (agressora) pr lesão corporal leve.


Já nos demais casos de lesão corporal, trazidas pelos §§ 1° a 3°, do citado artigo, são casos de ação penal pública incondicionada, em que cabe privativamente ao Ministério Público o oferecimento da denúncia em face do agente causador das lesões (artigo 129, I, CF).


Dessa forma, à luz dos dispositivos legais, têm-se que nos atos extremos de sadomasoquismo – que envolvem, sem prejuízo de ressaltar, agressões, sufocamentos, queimaduras, etc. – onde uma das partes, ainda que consentindo, reste lesionada gravemente, caso cheguem ao conhecimento das autoridades, deverá ser procedida a abertura de inquérito policial e, posteriormente, oferecida denúncia crime ao Poder Judiciário.


Ademais, o consentimento do ofendido não terá validade nos casos em que se cause lesões corporais graves ou gravíssimas ( nesse ponto compreende-se que mesmo que você tenha o contrato BDSM de consensualidade mais bem escrito do mundo, ele passa a ter valor zero perante à justiça brasileira e não poderá ser usado como prova da inocência da parte Dominante) , uma vez que a dignidade da pessoa humana se sobressai à vontade do submisso-vítima, sendo a incolumidade física e psíquica, neste viés, um bem jurídico indisponível com previsão legal nos artigos 1º, inciso III e 5º, inciso III, da Constituição Federal.


Por essas razões, ainda que ocorra o consentimento de ambos na prática do ato sadomasoquista, tem-se que o legislador escolheu pela indisponibilidade da integridade física do indivíduo. Logo, se chegar ao conhecimento das autoridades, o membro do Ministério Público terá de denunciar, restando duas alternativas para os casos de lesões corporais leves e culposas: em sendo preenchidos requisitos de validade da excludente ‘consentimento do ofendido’, pode ser reconhecida a referida excludente de antijuridicidade; ou ainda, pode o Juiz, no máximo, fazer uso da faculdade de substituir a pena de detenção pela de multa (artigo 129, §5°, CP).


CONCLUSÃO


As relações conscientemente consentidas, com ou sem dor não podem ser objeto de crime, pois ainda estão dentro do campo da autonomia do sujeito. Contudo, aquelas em que não há manifestação da vontade inequívoca e/ou o desejo está viciado, devem ser objeto de punição criminal.


A definição de moral e bons costumes é de natureza axiológica, inserta no campo da subjetividade, dado que cada época e local elegem para si aquilo que lhes convém. E por isso, não deve o magistrado ater-se somente à letra da lei, ou a algum posicionamento de caráter religioso radical, fruto do preconceito adquirido em tempos ultrapassados, hoje em desuso.


Ou seja como dito acima, a lei brasileira é baseada na interpretação dos fatos apresentados em relação às leis que abarcam o caso, como por exemplo Lesão Corporal mesmo com um contrato de prestação de serviços sexuais consensual. Vai da forma como o caso é apresentado até a visão do magistrado, não tendo como prever o resultado, ou seja cada caso é um caso.


Deverá, portanto, o julgador sopesar valores atuais e relevantes ao tempo e à sociedade em que se vive, que, se não observados, não se verá cumprida a árdua, nobre e altruística missão de distribuir justiça.


Destarte, o direito não apoia ou dá sustentáculo às práticas que aviltam a dignidade humana. Cabe a todos agir com bom-senso e sabedoria para distinguir aquelas situações que necessitam de tutela em decorrência da vulnerabilidade de alguém.


Resumindo todo o artigo, do qual sitei varias referências jurídicas, posso finalmente concluir que por mais que nós praticantes de BDSM tenhamos um contrato de Consensualidade muito bem redigido, este só tem um valor social, como lembrete dos acordos firmados entre as partes (Dominante e Submissa). O Contrato BDSM acaba por ser uma alegoria da fantasia do jogo erótico e não um documento com valor legal jurídico como se faz parecer na obra de ficção 50 Tons de Cinza.


Para os praticantes adeptos de "Sessões Avulsas" tem que se tomar cuidado extra, principalmente na negociação e nunca jamais iniciar a pratica BDSM com práticas pesadas que figurem lesão corporal grave (leia-se aí praticas que tirem sangue ou simulação de estupro, perante à lei não é simulação se for apresentada prova).


Mas como evitar que isso ocorra? Não é fácil e nem rápido. A negociação deve ser honesta, e não se pode dizer "oi sou seu dono , fica de quatro e me obedece".


  • Dedique todo o tempo necessário para uma negociação de qualidade,

  • Conheça a pessoa com quem você vai jogar,

  • Não tenha pressa (nem o Dominante e muito menos o submisso)

  • Seja Honesto com o que deseja

  • Tenha , Mantenha e Honre a palavra dada

  • Respeite todas as regras sociais acordadas

  • Respeite e ponha em prática todos os Protocolos de Segurança


E no final, mesmo seguindo todas estas dicas, a mais importante é:


Tenha sorte de encontrar um parceiro(a) de jogo que faça o mesmo com você , se preocupando com cada detalhe acima descrito.

Este artigo visa trazer mais informação e não ditar regras. Se você tiver mais informações para melhorar este artigo, peço que ajude, enviando os dados aqui nos comentários ou entrando em contato direto. Meu objetivo é ajudar, abordando temas que não são tão discutidos dentro de grupos de BDSM.


Referências Bibliográficas


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